Crônica do nosso primeiro programa:
“O Rico Mendigo”, publicado na Revista Careta, em 24/07/1915
Não sei como vos conte a coisa. A história passou-se em sonho, creio eu.
Sonhei uma noite destas que tinha encontrado na rua um senhor cheio de brilhantes, cheio de roupas, bengala de castão de ouro, botinas das mais finas, que me estendeu a mão:
- Uma esmola, pelo amor de Deus!
Admirei-me de tal fato, espantei-me e lhe dei a esmola. Ia seguir o meu caminho, quando o mendigo bem-vestido me chamou e disse-me:
- Venha cá, por favor.
Voltei e ele me convidou a ir a uma confeitaria. Houve da minha parte novo espanto. Como é que o homem me pedia uma esmola, a mim de recursos reduzidos, cheio de encrencas na vida, e, minutos após, convidava-me para beber em uma confeitaria. Fui ao bar mais próximo e ele, sem mais delongas, explicou-se:
- Deve o senhor admirar-se de que eu, bem-vestido, com jóias, com bengala de luxo, com um Patek no bolso, lhe tivesse pedido uma esmola. Eu lhe explico.
Fez uma pausa, sorvemos alguns goles de cerveja e continuou:
- Sou rico e digo isto a todo mundo. Moro em uma grande casa, tenho lindos e caros móveis, tenho alfaias, tenho carros, tenho numerosa criadagem, tenho um banheiro que é uma verdadeira terma romana e custeio tudo isso sem o menor esforço, mas peço esmolas.
- Por que?
- Porque quero ganhar mais e mais. Peço até aos meus irmãos mais pobres, mesmo àqueles que vivem com mais dificuldades. Quero sempre ter mais, ganhar mais, para proclamar a todos a minha riqueza; e as esmolas me servem para as despesas miúdas. Às vezes até, elas me proporcionam especulações felizes.
- Mas quem é o senhor?
- Não sabe? Eu sou o café.
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